Gravidez e parto na Itália: como é a assistência pelo Sistema de Saúde italiano


O parto é um momento especial e de muita expectativa para as mulheres que se tornarão mães, mas também de muito estudo e planejamento, principalmente sobre como a mulher deseja dar à luz e vivenciar toda a experiência da gravidez.


No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) segue as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a assistência humanizada à mulher e ao bebê, durante o pré-natal, parto e puerpério. Essas diretrizes estão presentes em muitos países, incluindo a Itália, onde a assistência de saúde é uma das melhores do mundo.


Sem dúvidas, o amparo pelos sistemas de saúde do Estado também é uma questão importante para as mães. E para as mulheres brasileiras que moram ou pretendem morar na Itália há ainda muitas dúvidas e receios sobre o funcionamento da Saúde no país.


Por isso, preparamos um conteúdo sobre como funciona a assistência à gravidez e ao parto na Itália. Boa leitura!



SSN, o Sistema Nacional de Saúde da Itália


Saúde é um direito universal, portanto, é responsabilidade do governo prover Saúde de qualidade a todos, principalmente aos que não têm condições de investir no sistema privado. É o que acontece no Brasil e na Itália, como mencionamos acima, de forma muito similar.


Em 1978 foi criado o Servizio Sanitario Nazionale (SSN), sistema público de assistência médica a todos os cidadãos. Desde então, o SSN passou por diversas reformas, sendo a última a instituição de um pacote de serviços de saúde essenciais isentos de tickets sanitários para toda a população.


Os tickets são valores cobrados por serviços de saúde não-essenciais que viabilizam o SSN desde a crise fiscal dos anos 1980.


Como funciona e quem tem direito ao SSN


O SSN tem algumas coisas em comum com o Sistema Único de Saúde (SUS).


Para ter acesso ao SSN é necessário que o cidadão italiano ou o estrangeiro que esteja legalmente na Itália esteja registrado no Ufficio Anagrafe, ou seja, precisa ter residência registrada em um Comune na Itália.


Os estrangeiros indocumentados, ou seja, que não têm permanência regularizada na Itália, também têm direito a alguns tipos de atendimentos, uma garantia do direito humano da assistência médica, internacionalmente conhecido e garantido em Constituição. Médicos e os próprios hospitais não podem quebrar a confidencialidade da situação irregular do estrangeiro através de denúncia.


A partir do cadastro das informações na Azienda Sanitària Locale e da solicitação de inscrição no SSN, é hora de escolher um medico ou dottore di famiglia que vai acompanhar o cidadão e seu grupo familiar durante toda a vida.


No Brasil somos vinculados à Unidade de Saúde Básica do bairro em que moramos para a realização de consultas e alguns atendimentos. Na Itália ocorre algo parecido com o dottore di famiglia, o médico de família que seria o equivalente ao nosso médico Clínico Geral.


Também similar ao Brasil, a partir do cadastro no SSN, o cidadão italiano recebe a Tessera Sanitaria, um cartão que deve ser apresentado em consultas e para a realização de exames — é o “cartão do SUS” italiano.


No entanto, uma diferença importante entre o SSN e o SUS é que na Itália há o pagamento de pequenas taxas (tickets) para usufruir de determinados exames e atendimentos não-emergenciais, de acordo com a renda do cidadão — quem tem maior renda paga mais e quem tem renda fixa baixa ou nenhuma renda pode ter isenção da taxa.


Os cidadãos cadastrados no SSN também contribuem indiretamente com o funcionamento do sistema de saúde italiano através de impostos.


Outra curiosidade é que apesar de ser um um sistema nacional, cada região da Itália é responsável por administrar a assistência de saúde.



Como é a assistência de saúde à mulher gestante na Itália


Tanto o Brasil quanto a Itália seguem as diretrizes da OMS para garantir a melhor assistência à mulher e ao bebê durante toda a gravidez, o parto e o pós-parto. Há algumas diferenças de país para país, mas os princípios são bem similares.


Enquanto o parto humanizado no Brasil, já bastante disseminado na Obstetrícia, é visto erroneamente como algo muito “extraordinário” e possível para poucas mulheres, podemos dizer que na Itália esses princípios já estão um pouco mais consolidados, apesar de o SUS sair na frente em alguns quesitos.


Por ser um sistema público, é claro que nem tudo é perfeito, mas é completamente possível acompanhar a gravidez pelo SSN, sem precisar desembolsar valores altíssimos com o sistema privado.


No sistema público, a mulher tem direito à isenção de tickets em diversos exames e diagnósticos previstos no decreto de 2017 sobre os novos níveis essenciais de assistência. Falaremos um pouco deles a seguir:


Antes da gravidez

A assistência à gestação pode começar muito antes da concepção de fato e é recomendado por quem está planejando ter filhos.


O atendimento pré-concepção é importante principalmente quando a mulher já passou por aborto espontâneo ou quando há um histórico familiar que indique alguma complicação no futuro.


Por isso, as diretrizes do SSN estabelecem a gratuidade de exames para assegurar a saúde dos genitores e, em alguns casos, comprovar uma possível gravidez de risco, doenças ou complicações genéticas.

Gravidez e assistência pré-natal

A partir da descoberta da gravidez é hora de iniciar o pré-natal para o acompanhamento da gestação até o parto. A dica aqui é se planejar ao máximo e antecipar tudo o que precisa ser agendado. Veja:


Consultas de pré-natal

Lembra do médico de família? Pois é. O primeiro passo é marcar uma consulta com o médico de família da sua região de residência. Ele pedirá alguns exames e dará os primeiros encaminhamentos para o pré-natal.


Procure realizar os exames e as consultas mensais com o obstetra no mesmo hospital em que será realizado o parto. Falaremos mais sobre o assunto a seguir.


Nessa etapa percebemos uma das maiores diferenças entre a vivência da gravidez no Brasil e na Itália. Sabe aquelas consultas em que falamos por uma hora, ou até mais, com o obstetra? Bem, na Itália as consultas costumam ser mais precisas e diretas ao ponto. Também não é certeza que a mulher será atendida sempre pelo mesmo médico obstetra.


Ainda assim, a mulher será muito bem amparada pelo sistema público, caso opte por ele. Aliás, muitas mulheres relatam não perceberem grandes diferenças entre as consultas no público e no privado.


Sabendo da periodicidade dos exames e das consultas, procure solicitar tudo ao seu médico e marcar seus horários com muita antecedência. É possível realizar exames em outros hospitais que tenham disponibilidade de horário, mas isso não é regra.


Exames

O SSN possui uma lista de exames e tratamentos básicos gratuitos para as gestantes. Isso significa que os exames fora do “pacote” são realizados mediante pagamento de tickets, que não costumam ser caros. Vale lembrar que há a possibilidade de isenção por baixa renda.


Os exames mais comuns são os de sangue e de urina, realizados mensalmente até o parto, e pelo menos três ecografias, além do acompanhamento do peso e pressão da gestante realizados em consulta.


As três ecografias básicas são recomendadas pelas diretrizes do SSN, por isso não é necessário pagar nada a mais por elas:


  • A primeira é realizada até a 12ª semana para verificar a quantidade de embriões, a idade gestacional e, se já for possível, ouvir o coraçãozinho do feto.


  • Por volta da 22ª de gestação é realizada a ecografia morfológica para observar a anatomia do feto e detectar alguma malformação.


  • No terceiro semestre, por volta da 28ª semana, há ainda uma ecografia específica para fetos com alguma patologia. Se não for o caso, a terceira e última ecografia dentro das recomendações ocorre para saber como está o bebê e verificar a quantidade de líquido amniótico.


Cursos durante o pré-natal

Sim! A Itália oferece um curso pré-natal com profissionais da Obstetrícia para informar e preparar a mulher ou o casal com todas as informações sobre gravidez, parto, procedimentos e muito mais.


Na verdade, é mais um acolhimento e um bate-papo do que um curso propriamente dito. É o momento de tirar todas as dúvidas gerais sobre a gravidez e o parto. Muita transparência e informação para uma assistência humanizada, como deve ser.


O curso auxilia até mesmo na escolha do local para o parto, pois a mulher tem a oportunidade de conhecer o ambiente, os profissionais e toda a estrutura do hospital para se sentir mais segura até seu grande momento.



Parto

Ao contrário do que muita gente pensa, o parto humanizado não se resume a um parto em casa, na banheira e com música ambiente. Essa é apenas uma forma de fazê-lo — por favor, busque acompanhamento de profissionais qualificados, seja parto domiciliar ou não. Vamos focar aqui no parto humanizado hospitalar.


A assistência humanizada ao parto, na verdade, é a garantia de um direito humano de gestar, parir e nascer bem, com dignidade, respeito e segurança. Portanto, o parto humanizado também está nos hospitais, em partos normais e cesarianos.


Ah! Antes de seguirmos, uma informação importante: como orienta a OMS, o parto via vaginal é sempre a opção mais segura de trazer uma criança ao mundo. Uma cesariana, na verdade, é um parto cirúrgico e como toda cirurgia, tem riscos desnecessários para um processo corporal tão natural do corpo humano.


As cesáreas no sistema público não são eletivas, ou seja, não é possível que a mulher opte por uma cesárea. O procedimento só é realizado quando há riscos para a mãe, para o bebê, quando há alguma dificuldade durante o trabalho de parto ou se a mulher já passou por uma cesariana.


Na Itália, é possível escolher o hospital para realizar o parto de acordo com o que é oferecido ou permitido de acordo com a estrutura. Também é possível encontrar hospitais que estejam aptos para situações graves ou emergenciais.


Isso não quer dizer que um hospital é melhor que o outro, apenas que entre os hospitais de níveis 1, 2 e 3, há o mais indicado para determinado tipo de parto e situação da mãe e do bebê. Bebês com malformações são exemplos em que o hospital recomendado é de nível 3.


Em geral, o parto é realizado com a equipe que estará de plantão naquele momento e não é garantido que o obstetra que acompanhou toda a gravidez estará junto. Porém, pode ter certeza que o parto na Itália costuma ser bastante acolhedor, seguro e tranquilo, auxiliado por profissionais bastante experientes e capacitados.


Naturalmente, onde há certa lotação de parturientes, é quase certeza que haverá companhia de outras mães — para as mulheres que tiveram aborto espontâneo ou optaram pelo o aborto, legalizado na Itália, há uma ala diferente para zelar pela saúde mental e a privacidade de todas.


Leve em consideração também alguns direitos garantidos às mulheres durante o parto no Brasil e que nem sempre serão atendidos em hospitais da Itália. A presença de um acompanhante na hora do parto, por exemplo, não é permitida em todos os hospitais. E como o parto está ocorrendo na Itália, vale a regra da Itália.


Em alguns hospitais há a possibilidade de realizar o trabalho de parto na água para aliviar a dor e facilitar a dilatação, antes de voltar para a maca para a fase de expulsão.


Ao dar à luz, a mãe e seu bebê têm seu momento de pele a pele, de se conhecerem e até da primeira amamentação, até o momento em que a equipe começa a realizar os exames no recém-nascido. Dependendo do hospital, após esses primeiros minutos o bebê ficará sob os cuidados da equipe médica em um berçário e voltará para o quarto da mãe para alimentar-se.


Em resumo, é bem interessante ter um plano de parto logo no início da gravidez, fazer um checklist e procurar o hospital que esteja mais adequado aos desejos da mulher para o momento do parto. Não é garantido que todo o plano de parto será contemplado, mas as chances de encontrar um meio termo é positiva.



Conclusão

Estar longe da nossa casa original em um momento como esse nem sempre é fácil, por isso, envolva-se de informação de qualidade, planejamento e, é claro, não esqueça de vivenciar cada trimestre dessa jornada única!


Em relação ao acolhimento no Sistema Nacional de Saúde na Itália, pode ser que não haja o mesmo luxo de um tratamento vip no sistema particular, mas quando o assunto é atenção à gestação e ao parto, o SSN consegue suprir todas as necessidades.


Gostou do que leu?


Fique à vontade para deixar sua pergunta ou sugestão de mais conteúdos nos comentários. E se você se interessa por esse assunto, continue acompanhando o nosso blog e siga-me nas redes sociais.


Conheça o meu canal no  

Me siga no  e no  


Daiane Marangoni


Daiane Marangoni é advogada ítalo-brasileira.

Atua em processos judiciais de cidadania italiana em Roma desde 2012.