Descendentes trentinos podem obter cidadania italiana?

 

A cidadania italiana para trentinos é um tema que gera muitos debates e interpretações das leis italianas, na tentativa de reconhecer os direitos dessas pessoas que nasceram e viveram a maior parte da vida na região de Trentino-Alto Ádige.

 

A própria história da região formada pelas províncias autônomas de Trento e Bolzano, localizada ao norte da Itália, é cheia de conflitos que impactaram diretamente na formação do Estado Italiano e nos direitos de seus cidadãos, considerados ex-austríacos após a Primeira Guerra Mundial.

 

Até hoje, imigrantes trentinos e seus descendentes encontram dificuldades para serem reconhecidos como cidadãos europeus e muitos morreram sem ao menos saber que foram considerados apátridas após a guerra.

 

Mas se Trentino-Alto Ádige é uma região italiana, por que os trentinos e seus descendentes não têm o direito à cidadania italiana reconhecido facilmente, como outros italianos?

 

Neste post você vai entender melhor a questão trentina em torno do direito à cidadania italiana, um embate que perdura há mais de um século.

 

Cidadania italiana para trentinos

O princípio da nacionalidade na Itália é o jus sanguinis, que reconhece ítalo-descendentes como cidadãos italianos, sem limite de gerações e independente terem nascido dentro ou fora do país.

 

É sobre este princípio que se baseia a maioria dos processos de cidadania de descendentes de italianos, que ocorrem normalmente na via administrativa justamente por se tratar de uma “formalidade” do governo para o reconhecimento de um direito de sangue garantido por lei.

 

Na teoria, a cidadania italiana também é válida para descendentes de trentinos, mas não são todos que têm esse direito ou, para ser justo, não são todos que têm esse direito reconhecido pela lei italiana.

 

Acontece que os trentinos só se tornaram cidadãos italianos de fato a partir de 16 de julho de 1920, data em que entrou em vigor o Tratado de Saint-Germain-en-Laye. Antes disso, eram cidadãos austríacos.

 

Este tratado foi celebrado em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, e oficializou a dissolução do Império Austro-Húngaro e a subdivisão daquele território, redesenhando parte do mapa da Europa.

 

Em uma das cláusulas do tratado estava a anexação de territórios ao Reino da Itália, como conquista de guerra, entre eles a região de Trentino-Alto Ádige, formada pelas províncias autônomas de Trento e Bolzano.

 

Então, em julho de 1920, os residentes daquela região deixaram de ser cidadãos austríacos e se tornaram cidadãos italianos.

 

E isso não ocorreu com todos os trentinos: apenas os que residiam até aquela data nas comunas italianas, antes pertencentes ao Império Austro-Húngaro, se tornaram cidadãos italianos.

 

De forma bem resumida, quem quis manter a cidadania austríaca precisou se mudar para a Áustria, que havia se tornado uma república.

 

À primeira vista, nenhuma dificuldade: os cidadãos residentes em Trento e Bolzano passaram a transmitir sua cidadania italiana para seus descendentes como qualquer outro italiano da formação anterior do Reino da Itália.

 

A grande questão trentina em relação à cidadania italiana se originou de um problema criado pela própria lei. Não foi prevista a situação de milhares de trentinos que partiram para outros países, fugindo de conflitos do século 19 e da Primeira Guerra Mundial.

 

 

A questão trentina: breve linha do tempo

Não precisamos ir muito longe na história para saber que, após séculos de tomadas de territórios, guerras e acordos de paz, o mapa do mundo com certeza não é mais o mesmo.

 

A Itália, em específico, é um Estado relativamente novo, unificado e fundado como Reino da Itália em 1861 e tornado uma república em 1946. De lá para cá, a Itália passou por diversos conflitos, anexações e perdas de territórios que formaram a Itália que conhecemos hoje.

 

Antes dos acontecimentos pós-guerra, a região trentina foi conquistada por diversos povos ao longo dos séculos, mas se manteve autônoma administrativamente, independente em sua economia e cultura em relação aos países que a anexaram durante a história. Isso chegou ao fim no século 19.

 

Como em todo cenário de guerra, a população é quem sofre as consequências de crises políticas, econômicas e humanitárias, resultantes de ofensivas militares para conquistas de poder sobre territórios.

 

A região do Trentino-Alto Ádige sofreu com a alta de mortes da população. Para quem sobreviveu, só restava deixar tudo para trás e fugir do conflito.

 

Aqui, um ponto muito importante: quem saiu das regiões pertencentes ao Império Austro-Húngaro naquela época emigrou como cidadão austríaco.

 

Com o Tratado de Saint-Germain-en-Laye, as pessoas que residiam nas regiões recém-anexadas ao Reino da Itália e que faziam parte da Lista dei cittadini di pieno diritto dos comunes passaram a ser cidadãs italianas.

 

Sendo assim, os descendentes de italianos que imigraram para outro país após o 1919 podem requerer a cidadania italiana normalmente, via consulado ou comune na Itália.

 

Mas se o tratado falava se cidadãos residentes no território italiano do pós-guerra, o que aconteceu com aqueles que emigraram?

 

A cidadania de imigrantes trentinos após 1920

A história é bem diferente para aqueles que emigraram antes do tratado que oficializou Trentino-Alto Ádige e outras regiões como parte da Itália.

 

Na prática, os trentinos que não se “manifestaram” pela nacionalidade italiana, atribuída de acordo com a pertinenza em determinado comune, não se tornaram cidadãos italianos.

 

Quem não residia na Itália ou na Áustria em julho de 1920 se tornou apolide (apátridas), a não ser que, ao imigrar para outro país, tivessem adquirido outra cidadania. De qualquer forma, a Itália e a Áustria os consideravam estrangeiros a partir de então.

 

Muitos imigrantes morreram sem saber disso, e os que estavam vivos na época pouco puderam fazer. Além da dificuldade de qualquer notícia internacional chegar ao campo, onde boa parte dos imigrantes trabalhava, não havia recursos para retornar à Europa, e isso nem era uma prioridade naqueles momentos de vulnerabilidade.

 

Na Itália, em 1923, houve um regio decreto que serviu como uma nova chance para os trentinos e outros ex-austríacos de obterem a cidadania italiana, oportunidade aproveitada por um uma minoria de elite.

 

No caso dos que imigraram para o Brasil até 15 de novembro de 1889 e não se manifestaram contra a Grande Naturalização, estes se tornaram cidadãos brasileiros, ou seja, foram preservados da situação de apátridas. Uma solução do acaso, mas que não resolvia o problema da cidadania originária perdida.

 

Comprovar ser nativo do Trentino também não seria algo fácil. Não era raro documentos e bens pessoais ficarem para trás na pressa de sair daquela situação de guerra que havia tomado a Europa.

 

Dessa forma, mesmo tendo raízes e toda uma história de ancestralidade naquela região, os trentinos não conseguiam provar que vieram daquele lugar. Eram considerados imigrantes em seu próprio lar. Essa situação refletiu em seus descendentes, que também ficaram sem direito à cidadania italiana.

 

 

Cidadania italiana para descendentes de trentinos: a lei do ano 2000

A questão trentina e de outros povos ex-austríacos não foi esquecida e vem sendo discutida há anos como uma discriminação por parte da Itália.

 

Houve pressão popular para que o país reconhecesse o direito dos trentinos e seus descendentes à cidadania italiana, como reconhece hoje o direito jus sanguinis de descendentes de italianos nascidos em qualquer lugar do mundo.

 

A resposta veio apenas no ano 2000, com a Lei nº 379. Foi aberta uma “janela” de tempo para que emigrantes dos territórios italianos pertencentes ao Império Austro-Húngaro, e seus descendentes, pudessem requerer a cidadania italiana por meio de uma naturalização facilitada, uma conceção do governo italiano.

 

O prazo para as solicitações acabou em 2010. Quem deu entrada no pedido da cidadania italiana na época conseguiu ou ainda está na fila para ter seu pedido atendido.

 

Infelizmente, as notícias não são boas para quem perdeu o prazo. Por enquanto, não há sinal de que a situação dos trentinos e seus descendentes será revista pelo governo italiano.

 

Ou seja, quem era muito jovem ou nem ficou sabendo desse prazo 20 anos atrás não consegue mais requerer a cidadania italiana.

 

Cidadania italiana trentina via judicial

Como mencionamos, os que entraram com processo administrativo entre 2000 e 2010 já tiveram ou aguardam ter seus pedidos deferidos. Sim, apesar da “colher de chá” oferecida pela Itália lá em 2000, há pessoas ainda na espera 20 anos depois.

 

Apesar de iniciarem o processo pela via administrativa, a solução para a demora no deferimento das solicitações da cidadania italiana para trentinos tem sido as ações judiciais, que notificam o Ministero dell’Interno pelo atraso no reconhecimento da cidadania italiana, um direito assegurado pela constituição.

 

Uma outra saída para trentinos: cidadania italiana via materna

Quando o antepassado que seria o dante causa é de origem trentina e a família não entrou com o processo administrativo até 2010, conforme a lei 379, não quer dizer que seja totalmente impossível ter reconhecido o direito à cidadania italiana.

 

Sempre orientamos procurar na árvore genealógica um outro antenato que tenha nascido em uma região da Itália fora daquelas áreas de posse dos austro-húngaros até a Primeira Guerra Mundial.

 

E é em uma dessas buscas que, muitas vezes, se encontra uma mulher na árvore genealógica que pode ser a salvação do descendente de trentino. Sim, a cidadania italiana via materna pode ser o caminho para quem perdeu o prazo da lei italiana de 2000.

 

Mas do que se trata essa “via materna”?

 

Até 1948, a mulher italiana que se casasse com um estrangeiro perdia sua cidadania de origem e passava a ter a mesma cidadania do marido. Também não era possível esta mulher transmitir a cidadania italiana para os filhos. Tempos difíceis…

 

Isso mudou  com a Constituição da República Italiana de 1º de janeiro de 1948, um marco muito importante para as mulheres que passaram a ter direitos civis garantidos por lei, entre eles, o da transmissão de sua cidadania aos filhos.

 

Em 1975 e 1983, a Itália considerou inconstitucionais a perda da cidadania italiana da mulher por meio de casamento e a prevalência da cidadania do pai na transmissão do status civitatis do filho, respectivamente.

 

Em resumo, os descendentes de filhos de mulheres italianas nascidos após 1948 conseguem seguir com o processo de cidadania italiana materna administrativamente.

 

Para os descendentes de filhos de italianas nascidos antes de 1948, há um impedimento na transmissão da cidadania, questão hoje resolvida por uma ação judicial com grande chance de sucesso.

 

Assista ao vídeo abaixo para entender se a cidadania italiana via materna é a saída para sua descendência trentina.

 

 

Se você faz parte deste grupo que aguarda há anos por uma resposta da Itália sobre sua cidadania italiana, ou se encaixa na situação favorável ao processo judicial de cidadania italiana via materna para trentinos, conte conosco para obter esse direito pela via judicial.

 

Nós representamos nossos clientes junto aos tribunais italianos com o objetivo de obter a cidadania italiana e de fazer valer todos os direitos reconhecidos por lei aos ítalo-descendentes. Entre em contato para que possamos te ajudar!

 

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Daiane Marangoni

 

Daiane Marangoni é advogada ítalo-brasileira.

Atua em processos judiciais de cidadania italiana em Roma desde 2012.